ELIO GASPARI
Vem aí o grande retrato de Lula
Depois do resultado da eleição municipal, Lula precisa redescobrir o rumo do seu governo. Como? Revendo (sozinho) "Entreatos", o documentário que João Moreira Salles rodou sobre os 33 dias finais e triunfantes de sua campanha de 2002. O filme estréia no dia 26, mas o Paradiso-Alvorada tem cópia.
Tem muito petista que ainda não entendeu o que aconteceu com seu partido, seu governo e seu presidente. O que fazer? Ver o documentário do João. Ninguém jamais tinha visto Lula sem os lugares comuns de seu cotidiano retórico ("nunca neste país" ou "não temos o direito", por exemplo). Salles e Walter Carvalho, o bruxo da câmera, registraram coisas que os jornalistas políticos não perceberam ou não conseguiram expressar.
Lula recebeu 52 milhões de votos. Muita gente apertou 13 e teve a falta de sorte de perder o emprego. Muita gente acha que votou numa coisa e recebeu outra. Há eleitores docemente surpresos, zangados ou amargamente traídos. O que é que houve? O documentário do João mostra quem era em 2002 o cidadão que foi eleito presidente.
Nenhuma das cenas ou barulhos que sua equipe (sete pessoas) presenciou podia vazar. Tiveram acesso aos bastidores da campanha. Lula nada pediu. Só viu o trabalho depois de pronto.
Moreira Salles filmou 240 horas, inclusive o exato momento em que caiu a ficha: o ex-sindicalista tinha sido eleito presidente da República.
Há dois famosos documentários saídos de campanhas eleitorais. O ultimo é "The War Room" ("A Sala de Guerra"), de 1993, com a cozinha da campanha de Bill Clinton. O de João Moreira Salles é melhor, por dois motivos: Lula deu-lhe mais acesso e ele soube tirar melhor partido do material que capturou. Esticando um pouco a corda, "Entreatos" chega a ser melhor que "Primary", o pai do gênero, filmado por Robert Drew em 1960. Nele, os senadores John Kennedy e Hubert Humphrey disputam a indicação pelo partido democrata no inverno do Wisconsin. (Vendo-o, aprende-se que no mano a mano Humphrey era mais simpático que Kennedy.) Drew criou um estilo. Salles conseguiu uma proeza do jornalismo político: se alguém lhe perguntar como é o Lula, talvez não saiba responder. Certamente, muitas pessoas depois de verem seu documentário poderão explicar ao próprio Moreira Salles "quem, e como, é o Lula".
Como "Olga" dividiu o mundo entre juízes de filmes e a patuléia que compra ingressos, vai aqui uma sugestão: procure ver "Entreatos" sem ler a respeito. "Entreatos" é um documentário mas também um fato político. Se a opinião dos críticos pode ser útil para o julgamento de um filme, o julgamento do fato político enriquece-se na reflexão individual. A sugestão vale porque hoje, como em 2002, há uma relação prática entre o que se acha de Lula e o futuro de quem vai ao cinema.