José Arcádio Buendía estava impossível hoje
O Brasil sempre rendeu pouco na literatura fantástica. Podem ver. Quem é o nosso Gabriel García Márquez? Não que eu sinta falta, vejam bem... O escritor mais popular do Brasil antes de Paulo Coelho era Jorge Amado, um Jubiabá aqui, na fase comunista, uma Gabriela ali, já no período, digamos, sensualista. Sei lá, algo em nós não combinava bem com o surrealismo. Até o surgimento de Lula. Ele é o nosso José Arcádio Buendía. Se tudo der certo, estão prometidos bem um cem anos de solidão.
Lula estava impossível nesta terça. Quando ele fala de improviso, já disse abaixo, é um acontecimento. Ele pára, hesita um pouco e “pum!”. Solta o pensamento. Macondo vai ficando cada vez mais próxima. José Arcádio visitou hoje o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos (SP). E teve um daqueles surtos de pensamento original. Chamou o PAC de “o mais importante projeto de desenvolvimento já feito no país” e anunciou uma “revolução na educação”. A generosidade que tem consigo mesmo é diretamente proporcional à severidade que tem com os outros. Acusou “descaso com a educação nos últimos 30 anos” (não está claro se esse tempo inclui o período 2003-2006), resultado de um “modelo econômico perverso”. E logo ligou a questão à criminalidade: “Acho um absurdo quando se discute reduzir a maioridade penal. Daqui a pouco vão querer punir aqueles que pensam em ter filhos. Ninguém pensa em punir os responsáveis". Não entendi direito, mas acho que Buendía está dizendo que o criminoso não é responsável por seu crime.
Ainda generoso com a própria obra, declarou: “Como só posso falar até 2010, seria bom que a sociedade brasileira assumisse compromissos [com os jovens e a educação] para não transferirmos a responsabilidade, pois, quando algo não dá certo, já carimbamos em cima de alguém." Não sei se entendem. Ele “carimba em cima” dos antecessores os problemas que estão aí. Mas já está se eximindo de qualquer eventual responsabilidade futura. Ser Lula é estar sempre pronto a acusar e a transferir responsabilidades. Mas com os ombros leves. Vejam aí: considera-se o nosso representante natural, o único com legitimidade para julgar os vivos e os mortos.
Superávit
Falando a empresários da construção civil, José Arcádio Bundía continuou a encurtar a distância entre o Brasil e Macondo. Em tom quase exasperado, disse que, desta vez, o dinheiro que não for gasto no PAC não vai engordar o superávit primário, não. Nessa hora, tratou o dito-cujo como se fosse um mal; como se houvesse um duto em que o dinheiro do superávit escoasse para as obras e vice-versa.
Afirmou, cheio de si, todo pimpão, que o dinheiro que não for usado numa área será transferido para outra. Quem conhece como funciona a liberação de recursos públicos sabe que as coisas não são desse jeito. Lula em parte tem razão: seu governo não consegue gastar o que tem porque é incompetente, porque não tem projetos. O mesmo deve acontecer com o tal PAC. A nossa sorte é que ligeireza de José Arcádio Buendía não encontra respaldo na realidade. Ou, claro, alguns espertalhões sairiam governo afora raspando o caixa daqueles que chegassem ao fim do exercício com algum dinheirinho.
Rezem, crianças. Rezem para que alguns solavancos a que estamos assistindo da economia mundial — vejam lá o setor imobiliário americano assustando os mercados — sejam só resfriados periódicos e habituais. Assim poderemos continuar nessa mediocridade um tanto triste de Macondo. Melhor isso do que o caos, que adviria se Lula precisasse mesmo atuar como um estadista, naqueles momentos em que a história testa a capacidade de decidir. Isso, até agora, não aconteceu. Deus proteja Macondo.
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