http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u300082.shtml
28/05/2007 - 08h00
Especial traça perfil genético de nove negros famosos
da BBC
A BBC Brasil lança nesta segunda-feira o especial "Raízes Afro-Brasileiras", que traça o perfil genético de nove brasileiros famosos de origem africana.
Celebridades como os músicos Milton Nascimento, Djavan e Sandra de Sá e a ginasta Daiane dos Santos participam do projeto, que explora a ancestralidade africana da população brasileira.
O projeto é baseado em exames de DNA conduzidos pelo geneticista Sérgio Pena, professor titular de bioquímica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor científico do Laboratório Gene, também em Belo Horizonte.
Os resultados indicaram, por exemplo, que Daiane dos Santos tem a composição mais equilibrada de genes africanos, europeus e ameríndios.
Uma das mais "africanas" do grupo, Sandra de Sá disse que sempre quis saber mais sobre as suas origens e
que o projeto "caiu como uma luva" no momento em que ela está vivendo.
"Tudo o que eu estou fazendo na minha vida é em relação à África, inclusive na música", disse Sandra.
As outras personalidades que participam do projeto da BBC Brasil são a atriz Ildi Silva, o "rei do Carnaval" Neguinho da Beija-Flor, o jogador de futebol Obina, a cantora Sandra de Sá e o líder religioso frei David Santos.
História e genética
A fim de obter o quadro genético mais completo possível, foram feitos três testes baseados na análise de diferentes partes do DNA: o exame da ancestralidade paterna, o da ancestralidade materna e o da ancestralidade genômica, que permite estimar o percentual de genes africanos, europeus e ameríndios na composição de um indivíduo.
Estudos históricos já revelaram que o centro e o oeste da África foram as regiões que mais contribuíram para o tráfico negreiro, que durante três séculos trouxe milhões de africanos ao Brasil como escravos.
Mas, diante da precariedade dos registros - muitos deles destruídos pela Coroa Portuguesa -, estudiosos do assunto, inclusive historiadores, têm se voltado para a genética na tentativa de conhecer melhor esse contingente que, juntamente com índios e europeus, deu origem à população brasileira.
"Algumas perguntas fundamentais que os historiadores não tinham recursos para responder, através da biologia há pelo menos sugestões", afirma o historiador Manolo Florentino, coordenador do programa de pós-Graduação em história social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de diversos livros sobre o tráfico de escravos.
Pesquisas genéticas permitem, por exemplo, descobrir onde determinadas seqüências genéticas observadas em indivíduos brasileiros são encontradas na África.
Resultado "bate" com o que eu sinto, diz Djavan
CAROLINA GLYCERIO
da BBC, em São Paulo
O cantor Djavan disse que o resultado do exame de DNA que indica que ele é 65% africano, 30,1% europeu e 4,9% ameríndio "bate" com o que ele sente.
"Eu sou uma pessoa do mundo, mas me sinto indubitavelmente negro em tudo. A minha música é negra, eu sou um homem negro e adoro as religiões que descendem da África", disse Djavan, em entrevista à BBC Brasil.
"Eu fui criado sob a cultura negra, tenho total a coisa do sangue negro, da veia negra na minha vida", contou o artista, que foi criado pela mãe --"uma negra linda com a cultura africana no sangue".
Quanto aos 30% de ascendência européia indicados no exame, Djavan disse que já esperava ter uma alta carga de genes vindos da Europa porque sabia que seu pai era descendente de holandeses.
"Meu pai era louro de olhos azuis", disse o cantor. "Se eu tivesse saído com os olhos azuis, não teria sido nenhuma aberração."
"Só achei um pouco baixa a parte índia. Pensei que fosse de 10% a 15%. Tenho um pouco de índio também,
eu sinto."
O artista acredita que suas raízes africanas explicam seus talentos musicais e o sentimento de identificação que teve nas viagens que fez pelo continente.
"Na primeira vez que eu fui à África, em 81, tomei o maior susto, quando eu pude identificar ali a raiz da minha música, porque eu tenho uma música que no início da minha carreira era muito contestada por muita gente. Diziam que era uma coisa estranha, que não tinha nem pé nem cabeça, que a minha divisão rítmica era uma coisa estranha e tal."
"Cheguei em Angola e pude ver nitidamente onde estava a raiz disso tudo", completou Djavan, que também contou ter ficado muito à vontade na Argélia. "Então a minha identificação com a África é muito grande. Pela religião, cultura, música, a comida também."
O geneticista Francisco Salzano, professor titular de Evolução Humana da UFRGS, diz, no entanto, que não há fundamentos científicos para associar aptidões artísticas a uma determinada origem geográfica.
"É discutível", disse Salzano. "Não há nenhuma indicação formal até hoje de que preferências ou estilos musicais ou qualidades no esporte sejam específicos de um grupo étnico.
Holanda
Assim como fez com os outros oito convidados da BBC Brasil, o geneticista Sérgio Danilo Pena, professor titular de Bioquímica da UFMG e diretor do Laboratório Gene, fez três exames de Djavan: o de ancestralidade genômica (que estimou as porcentagens de genes de origem africana, européia e ameríndia) e dois outros para rastrear ancestrais do lado materno e paterno.
Djavan sabia pouco da história familiar da mãe, a não ser que a bisavó era escrava e a avó, "semi-escrava".
O teste que examinou a ancestralidade materna do cantor revelou um conjunto de seqüências genéticas (haplogrupo) que é predominantemente encontrado na África Ocidental e atinge freqüências máximas (17%) no Senegal.
"Na população de pretos de São Paulo ele representa 6% dos indivíduos testados", diz o relatório sobre Djavan. "Seqüências idênticas às de Djavan foram vistas na seguintes populações: Mali (Mali), Peul (Senegal), Bassa (Camarões), Yao e Chwabo (Moçambique) e Nairobe (Quênia)."
Já o exame que rastreou a linhagem paterna identificou um haplogrupo "tipicamente europeu e mais característico dos países do norte", mas não precisa em que país exatamente ela teria se originado.
"Estima-se que a mutação que criou o haplogrupo (de Djavan) tenha ocorrido de 22 mil a 23 mil anos (atrás)."
Em geral, quanto mais antiga uma linhagem, mais difícil é precisar sua origem.
Embora saiba apenas da ascendência holandesa, Djavan também acredita ter raízes espanholas pela identificação que diz sentir com a cultura moura do país.
"Na primeira vez que eu tive em Sevilha, fiquei chocado com a identificação. O cheiro da cidade me transportou para uma sensação que eu nunca tinha sentido. É como se eu já tivesse vivido naquele lugar por vários e vários anos na minha vida e estivesse voltando."
Djavan também considera ser "uma coisa estranha" ele ter fluência em espanhol, sem nunca ter estudado a língua. "Quando eu viajo, dou entrevista em espanhol."
Os resultados do teste de Djavan - ancestral materna africana e paterna européia - revelam um padrão da população brasileira, que nasceu da mistura dos colonizadores portugueses (que vieram em grupos com muito mais homens do que mulheres) com as índias nativas e, a partir de 1550, com as africanas trazidas como escravas.
"No processo de mistura interétnica que houve no Brasil as relações foram assimétricas. Isto é, o parceiro masculino era geralmente europeu e a mulher, africana ou ameríndia", explica o geneticista Francisco Salzano.
"Por isso você costuma ter uma percentagem maior de ancestralidade ameríndia no DNA mitocondrial (que indica a linhagem materna) e uma percentagem de ancestralidade européia no cromossomo Y (que indica a linhagem paterna)."
30/05/2007 - 08h01
"Se fosse 100% negro, lutaria por indenização", diz Seu Jorge
CAROLINA GLYCERIO
da BBC, em São Paulo
O músico carioca Seu Jorge tem 12,9% de genes europeus e 85,1% de genes africanos, indicam exames de DNA feitos a pedido da BBC Brasil como parte do projeto Raízes Afro-brasileiras.
"Tinha muita esperança de ser 100% negro. Se fosse, eu ia pedir uma indenização muito pesada nesse país, mas sou filho dos culpados também", disse o músico em entrevista na sua casa, em São Paulo, à BBC Brasil.
O projeto Raízes Afro-brasileiras testou o DNA de outros oito negros famosos no Brasil. Milton Nascimento, Sandra de Sá, Neguinho da Beija-Flor, Frei David, Daiane dos Santos, Djavan, Ildi Silva e Obina, do Flamengo, participaram do projeto.
Apesar de não esconder uma certa decepção com seu recém-descoberto "lado europeu", Seu Jorge disse ter ficado feliz com o que chamou de resistência de antepassados africanos.
"Miscigenação era barbárie. Não tinha isso de história de amor, era barbárie. Fico feliz em saber que parte da minha galera resistiu e compõe 85% dos meus genes", disse o músico.
Segundo o músico, era difícil ser negro na época em que milhões de africanos eram escravizados e continua a ser assim hoje.
"Tem que ser negro para saber o que é você entrar em um ônibus, como uma pessoal normal, e ver os passageiros saltando antes do ponto, escondendo relógio, ligando para a viatura. É uma agressão muito forte. É violento", contou.
Ancestral europeu
Os exames feitos pelo médico Sérgio Danilo Pena, do Laboratório Gene, de Minas Gerais, indicaram que o artista carioca tem apenas 2% de composição genética ameríndia.
"É uma pena eu ter tão pouco de índio", lamentou.
Esses são os resultados dos testes de ancestralidade genômica, nos quais a equipe de geneticistas, a partir de células da saliva de Seu Jorge, analisou 40 regiões do genoma do artista para estimar a proporção de ancestralidades africana, européia e ameríndia.
O laboratório também rastreou os ancestrais maternos e paternos mais antigos de Seu Jorge.
A parte européia foi encontrada no exame do cromossomo Y, que revela a ancestralidade do lado do pai. A equipe do Dr. Sérgio Pena encontrou nessa análise grupos de seqüências genéticas idênticos (haplogrupos) aos que são freqüentes na Europa Ocidental.
"A distribuição de R1b* (nome dado ao haplogrupo de Seu Jorge) tem o epicentro na Europa Ocidental, especialmente na Península Ibérica e Grã-Bretanha", afirma o relatório do geneticista sobre Seu Jorge.
Segundo Pena, o resultado mostra que "em algum ponto do passado, um homem europeu entrou" na história genética do músico, mas é impossível precisar quando e de que parte da Europa esse ancestral teria vindo.
O historiador Manolo Florentino afirma, no entanto, que, pelo passado do Brasil, ele era "muito provavelmente um português".
"É mais provável que fosse não apenas um português, como um português do Algarve, onde vicejou o tráfico", explicou Florentino.
As análises do chamado DNA mitocondrial, herdado apenas da mãe, mostraram que a ancestral materna mais antiga de Seu Jorge era da etnia Banto, que se disseminou por quase toda a África Subsaariana por volta de 3 mil a.C.
"Haplótipos idênticos ao de Seu Jorge foram relatados nas seguinte populações: Banto Cabinda (Cabinda, Angola), Bamileke (Camarões) e Lomwe (Moçambique)", afirma o relatório do Dr. Pena.
Como no caso da linhagem paterna, é difícil dizer de que região específica da África Ocidental (na época do tráfico negreiro dividida em etnias, não em países), a ancestral materna mais antiga de Seu Jorge teria partido.
Esse rastreamento dos genitores é possível porque tanto o cromossomo Y como o DNA mitocondrial são transmitidos praticamente inalterados de geração em geração.
Na analogia usada pelo Dr. Pena, são como sobrenomes que se mantêm intactos ao longo do tempo.
O geneticista explica, no entanto, que os testes de ancestralidade materna e paterna revelam apenas o ancestral mais antigo de cada lado.
Daí a importância de se fazer o teste de ancestralidade genômica que tira uma "média" do DNA e estima as porcentagens de ancestralidade africana, européia e ameríndia.
Sérgio Pena calcula em 2,5% a margem de erro dos testes de ancestralidade genômica.