by mends » 25 May 2007, 16:30
Pela primeira vez, serei realmente malvado com os remelentos e as Mafaldinhas
Os invasores da Reitoria da USP estenderam ontem um cartaz onde se lia: “Ocupação 1 x 0 Choque (WO)”. Podem-se inferir duas coisas a partir daí: a mais óbvia é que eles se julgam vitoriosos. É desnecessário dizer o que poderia ou poderá acontecer no caso de uma reintegração de posse. Isso jamais é pacífico quando o lado que transgride a lei decide resistir. Houvesse apenas flores de papel crepom lá dentro, vá lá. Mas estudantes e Sintusp chegaram longe demais e, com efeito, se prepararam para uma guerra. A Polícia Militar sabe disso. Na verdade, sabe de tudo. Bem mais do que supõem os tolos. Assim, a outra leitura óbvia para o cartaz, que não exclui a primeira, é a seguinte: eles querem a invasão, contam com ela, esperam que aconteça. Os líderes do movimento, tanto os estudantis como os sindicais, desejam fazer desse caso um marco. Eles não escondem que sua luta é POLÍTICA. Mesmo a sugestão do petista Dalmo Dallari para que recorram à Justiça contra os tais decretos (que em nada ferem a autonomia) foi recusada.
Eu já disse qual seria a minha escolha. Sarkozy neles! Eu os trataria como o então ministro do Interior da França, hoje presidente, tratou a intifada dos magrebinos nos subúrbios de Paris. E olhem que a coisa lá era feia. Há risco de haver gente muito machucada, até de morte? Há, sim. Cada um com as suas escolhas. Mas eu não governo São Paulo. Não tenho que ficar com uma penca de entidades politicamente corretas a encher o meu saco; não tenho de administrar setores da mídia obviamente simpáticos à baderna, que tratam transgressores da lei como se fossem líricos do direito alternativo. Também não estou vinculado a um partido que diz preferir sempre o diálogo.
Sim, numa palavra: eu sou de direita, Serra não é — embora, agora, o cumprimento da ordem judicial dependa de a PM achar que pode fazê-lo “com o mínimo de dano possível”, como determinou a Justiça. Não serei eu a dar aula ao comandante da PM. Talvez ele entenda que ainda não pode satisfazer a condição do “mínimo de dano possível”. O fato de eu escrever “sou de direita” supõe a truculência? Stálin, Mao Tse-Tung e Fidel Castro diriam que não. O fato de eu me dizer de direita supõe que a minha escolha será sempre não sacrificar a ordem legal, porque considero que as conseqüências serão sempre piores.
O secretário de Justiça de São Paulo, Luiz Antonio Guimarães Marrey, conversou com os invasores nesta sexta. Marcou uma outra conversa para segunda. Até onde apurei, o que se tenta negociar é a desocupação pacífica, não os tais decretos. No que diz respeito à autonomia, eles são inócuos. Poderiam até ser redigidos com outras palavras, conservando o conteúdo. E ESTE É O ÚNICO ERRO QUE O GOVERNO NÃO PODE COMETER. Ou estará dando seu endosso a um método. Tudo o mais constante, haverá a hora em que o juiz exigirá, e ele pode fazê-lo, que sua determinação seja cumprida, independentemente de qualquer conversa. Os invasores dirão que o placar continuará um a zero para eles. Porque eles querem esse confronto. Posso apostar que o tal Magno Carvalho, diretor do Sintusp, praticamente seu dono há 25 anos, não vai apanhar. Um bom chefe esquerdista sai com a mão na cabeça depois de ter lançado seus peões para a linha de frente das borrachadas.
Esse método não é o meu. Mas posso entender as razões da demora. E foi a partir deste ponto que passei a imaginar algo realmente perverso — e, nesse caso, sim, eu confesso que estou apenas sendo malvado. Porque estou ignorando um princípio e fazendo uma escolha puramente política, para desmoralizar a cambada. Explico a minha idéia. Tia Suely Vilela retiraria o seu pedido de reintegração de posse e compareceria à Reitoria para trabalhar. Vão bater nela? Darão cotoveladas nela como deram no professor Abadalla? Ou, sei lá, a reitoria poderia ser transferida para um outro lugar. E os invasores seriam deixados ali até o cansaço, o esgotamento. Ou, então, que por ali envelhecessem. Mas sem água, luz e telefone. Quem sabe uma nova espécie começasse a ser gerada ali na Reitoria. Com a coluna já menos ereta. Isso, claro, suporia não negociar nada com grevistas, sejam alunos, professores ou funcionários.
Com o tempo, nós iríamos nos esquecendo dos feios, sujos e malvados. E eles iriam ficando, ficando, ficando... O placar iria sendo renovado todos os dias: "Ocupação 30.787 X Choque 0". Não deixa de ser interessante a espera angustiada dos valentes. É a reitoria que querem? Pois que fiquem. Mas reitero: isso supõe que a horda comuno-fascista não atrapalhe quem quer assistir às aulas.
O que estou dizendo, para lembrar de novo um poema que citei aqui há alguns dias, é que os invasores da Reitoria estão como os romanos no poema À Espera dos Bárbaros, do poeta grego, nascido em Alexandria (Egito), Constantino Kaváfis (1863-1933). A tropa de choque, para eles, é uma espécie de solução. E se ela não vier nunca? Nem ela nem uma negociação? Nada? Que ficassem lá: em sua estupidez, em sua burrice, em sua solidão. Segue o poema, na tradução de José Paulo Paes.
O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
Por Reinaldo Azevedo
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")