"Só quatro pessoas sabiam da transação"
Presidente do Itaú revela os bastidores da negociação com o Bank of America para a compra do BankBoston e diz que manterá as equipes de atendimento para não perder os clientes mais ricos
Por ALEXANDRE TEIXEIRA
O negócio estava cantado, seus detalhes vazaram para a imprensa, mas foi só na terça-feira 2 que Roberto Setubal, o presidente do Itaú, apareceu em público para confirmar a compra das operações brasileiras do BankBoston. Com bom humor incontido, o banqueiro comunicou ao mercado que o Itaú está emitindo o equivalente a US$ 2,2 bilhões em ações preferenciais suas e vai entregá-las ao Bank of America, atual controlador do Boston, assim que o Banco Central do Brasil aprovar a transação. “Fizemos o anúncio assim que chegamos a um acordo. O contrato foi assinado no dia 1º, aqui no banco”, revelou Setubal a DINHEIRO. O valor divulgado é inferior aos US$ 3 bilhões previstos, mas a transação anunciada envolve apenas a unidade brasileira do banco. Somando-se suas operações no Chile e no Uruguai – que Setubal diz que têm 99% de chances de também serem incorporadas nos próximos meses – o negócio deverá chegar aos US$ 3 bilhões e o BofA atingirá participação de 8% no capital do Itaú. Nesta entrevista, o banqueiro revela os bastidores da negociação com o maior banco de varejo dos Estados Unidos e diz que os atuais clientes do BankBoston não têm porque procurar outro banco. “Vamos manter as agências do Boston onde elas estão e as equipes de atendimento.”
DINHEIRO – Ao contrário do que se viu em outras aquisições de bancos, desta vez não houve leilão, mas sim uma negociação direta entre Bank of America e Itaú. Por que?
ROBERTO SETUBAL – Primeiro, eu acho importante se entender que nessa operação o Bank of America não está saindo do Brasil e sim escolhendo um parceiro para ele na América Latina. Ele resolveu manter a presença na região através de uma parceria com um banco local.
DINHEIRO – Por que o senhor acha que é importante para o Bank of America manter a presença no Brasil?
SETUBAL – Primeiro porque o Brasil obviamente é um mercado grande, de muito futuro. Segundo, porque ele tem nos Estados Unidos um monte de clientes com presença no Brasil. E ele quer obviamente servir esses clientes. O que a partir de agora será feito através do Itaú, com esta parceria. Do contrário, esses clientes poderiam mudar de banco lá nos Estados Unidos, desviar um pouco os negócios com o Bank of America para o Citibank ou outro banco.
DINHEIRO – O senhor diz clientes corporativos?
SETUBAL – Exatamente. A presença dele (do Bank of America) no Brasil fica muito fortalecida do ponto de vista desses clientes, porque o Itaú tem muito mais capacidade de atendê-los aqui do que o próprio BankBoston tinha. A partir deste raciocínio é que eles falaram: “bom, nós não temos condições hoje de comprar nenhum grande banco, não temos conhecimento do mercado para isso”. E decidiram caminhar para essa situação de parceria. Fizeram a análise deles lá, escolheram o Itaú e vieram nos propor isso: “Vocês teriam interesse em ser nossos parceiros nessas e naquelas condições?”. A partir daí, a conversação foi caminhando.
DINHEIRO – Como se deu, na prática, esse primeiro contato?
SETUBAL – Eu fui convidado para um jantar pequeno, de seis ou sete pessoas, com o CEO do Bank of America (Ken Lewis, que também é presidente do Conselho do banco). Eu não o conhecia e não imaginava nada. Fui lá conhecê-lo. Conversamos, foi muito agradável o jantar, mas ficou nisso. Na verdade, ele queria me conhecer e eu não estava sabendo. Ele perguntou do Brasil, perguntou do banco, perguntou do mercado. Eu até achei curioso o interesse dele pelo Brasil, porque a presença dele no País (por meio do BankBoston), naquele instante, era relativamente pequena.
DINHEIRO – Onde foi esse jantar?
SETUBAL – Foi em Washington, numa reunião do FMI, em setembro de 2004. Mas naquele momento não houve convite nenhum. Foi só uma conversa, não teve nenhuma abordagem mais direta. Mas a conversa fluiu muito bem, e essas coisas são importantes. Quando você vai fazer um negócio grande, se não há uma empatia natural entre as pessoas que estão envolvidas, já dificulta.
DINHEIRO – Ken Lewis parece ter gostado do que ouviu. E o senhor, o que achou dele?
SETUBAL – Ele é muito direto, muito objetivo, com uma visão bancária muito boa. Tem uma carreira fantástica. Obviamente que o CEO do maior banco doméstico americano é uma figura extraordinária.
DINHEIRO – E o convite, quando veio?
SETUBAL – Passado esse primeiro momento, uns dois meses depois, veio ao Brasil o responsável pela operação no País. Ele não fez um convite, mas perguntou: “Como é que você vê esse tipo de operação, o que acharia de uma parceria, acha que faz sentido para vocês?”. Nós discutimos internamente como seria ter um parceiro assim, achamos que seria positivo e eu retornei a ele e disse: “Muito bem, vamos começar a conversar”.
DINHEIRO – E as conversas duraram até agora?
SETUBAL – Naquele momento, o Bank of America se envolveu numa grande transação na China. Eles acabaram comprando 10% de um grande banco chinês (o Construction Bank). Foi uma transação na qual a equipe deles que trata desse tipo de negócio ficou envolvida quase oito meses. Durante esse período, ele (Ken Lewis) só nos ligava de vez em quando e falava: “Olha, eu continuo interessado, só que estou com essa operação na China e neste momento não posso dedicar tempo para essa negociação com vocês”. Ficamos aguardando esse período todo.
DINHEIRO – Quando as conversas foram retomadas?
SETUBAL – Ele me ligou no final do ano passado e retomamos as negociações. No comecinho deste ano, as pessoas encarregadas da negociação estiveram aqui no Brasil, lideradas pelo Greg Curl (executivo de Planejamento Corporativo e Estratégia do BofA). Conversamos bastante, mostramos o banco e eles visitaram agências. Passaram dois ou três dias aqui e conversaram com vários executivos. Acho que gostaram do que viram. Depois eu estive na sede deles (em Charlotte, Carolina do Norte), em março, quando nós acertamos o preço e as condições do negócio. Aí, entraram os advogados.
DINHEIRO – Uma transação de US$ 2,2 bilhões deve ser juridicamente complicadíssima, não?
SETUBAL – O contrato todo, entre o acordo de acionistas e o contrato de aquisição, tem mais de 100 páginas.
DINHEIRO – Quantas pessoas participaram do trabalho?
SETUBAL – Nós tínhamos a nossa equipe interna do banco, com umas cinco pessoas envolvidas, só do Jurídico. Depois tem o pessoal da contabilidade. Eu diria que, no Itaú, tinha umas 15 pessoas envolvidas nestas últimas semanas. Mais uns três ou quatro advogados externos nossos e toda a parte deles, que eu não sei quantas pessoas eram.
DINHEIRO – O banco de investimentos Merrill Lynch assessorou o Itaú no processo de negociação. Como eles entraram no negócio?
SETUBAL – Eles entraram desde o início, nos aconselharam muito. Sugeriram coisas, como a melhor forma de construir o acordo de acionistas. É sempre bom ter um banco de investimentos junto, porque você não sabe bem como essas transações vão caminhar. Neste caso, caminharam muito tranqüilamente. Mas a Merrill Lynch deu uma contribuição importante.
“Ficar com a marca BankBoston não era importante. Itaú é um nome muito forte”
DINHEIRO – Como vocês mantiveram esta transação em sigilo por tanto tempo? Quantas pessoas no Itaú sabiam das conversas com o Bank of America?
SETUBAL – Pouquíssima gente. No primeiro momento, até essa minha ida a Charlotte, só quatro pessoas sabiam da transação no banco.
DINHEIRO – Quando o acordo foi fechado?
SETUBAL – No dia 1º à noite.
DINHEIRO – Aonde?
SETUBAL – Aqui no Itaú.
DINHEIRO – O fato de os executivos brasileiros do BankBoston supostamente terem sido informados muito tarde da venda para o Itaú causou desconforto. Foi assim mesmo que aconteceu?
SETUBAL – Eu não vou comentar como isso ocorreu dentro do BankBoston, mas nós negociamos sempre com a matriz.
DINHEIRO – O BankBoston tem clientes de renda realmente alta que não necessariamente estão acostumados a operar com grandes bancos de varejo. Como o senhor pretende convencê-los a ficar no Itaú?
SETUBAL – O Itaú, por ser um banco de varejo muito grande, tem imagem muito ligada à nossa grande rede de agências, à presença no Brasil inteiro, ao atendimento a mais de 10 milhões de clientes. Mas quem conhece melhor o Itaú identifica os segmentos de mercado em que a gente atua. A nossa rede de agências Personnalité tem exatamente o mesmo foco e o mesmo desenho da rede de agências do BankBoston. Eu diria que, para o Personnalité, o BankBoston era o principal concorrente, e vice-versa.
DINHEIRO – Em termos de imagem, o senhor acha que o Itaú se equipara ao Boston para os clientes mais ricos?
SETUBAL – Neste segmento, a imagem do Personnalité é muito boa, tem o mesmo padrão de receptividade que o BankBoston. E a qualidade também. Não há dúvida de que o Itaú tem todas as condições para atender essa clientela. Eu não tenho nenhuma preocupação de que os clientes venham a se sentir pior atendidos. Até porque a gente pretende manter todas as agências do BankBoston exatamente onde elas estão hoje e pretende manter toda a equipe de vendas e de atendimento do BankBoston. Portanto, o cliente não vai sentir descontinuidade no atendimento.
DINHEIRO – Houve algum tipo de discussão sobre a possibilidade de o Itaú assumir a marca BankBoston no Brasil?
SETUBAL – Não. O Bank of America não queria que a marca continuasse no Brasil, porque entendia que, em não estando mais no País diretamente, não tinha sentido deixar a marca dele aqui. E para nós não era nada importante, porque a marca Itaú é muito forte no Brasil e a gente tem condições de administrar essa mudança. A imagem do Itaú é excelente, e não acredito que nós teremos dificuldades.
DINHEIRO – Há analistas que dizem que, entre os clientes corporativos do Boston e do Itaú, há muita sobreposição. Até que ponto isso é problemático?
SETUBAL – O mercado corporate no Brasil tem aproximadamente mil clientes. Eles trabalham com o Itaú e com o BankBoston. Agora, o fato de eles serem clientes dos dois não quer dizer que sejam atendidos nos dois bancos da mesma forma. Imagine que, para a empresa “A”, o banco principal é o Itaú, e o BankBoston tem poucos negócios. Na empresa “B”, vamos dizer uma multinacional americana, já é o oposto. O BankBoston é o primeiro banco dela, e o Itaú é um banco secundário. Nesse sentido, (a fusão) é complementar.
DINHEIRO – Para o cliente corporativo, a marca BankBoston também não vai fazer falta?
SETUBAL – Não. O Itaú tem um prestígio muito grande junto às empresas de uma forma geral. Em alguns casos, a matriz das empresas multinacionais limita os bancos em que ela pode operar. Então, muitas multinacionais americanas só trabalham com bancos americanos. Ou trabalham com um banco brasileiro só para coisas que os bancos americanos não fazem. Eu acho que nesses casos nós teremos, em função da parceria com o Bank of America, condições de ser o banco delas no Brasil