O que interfere no valor do dólar
Paulo da Veiga Monteiro
"Verde que te quero verde", disse o poeta espanhol Federico Garcia Lorca, em Romance Sonâmbulo. Na gíria do mercado financeiro brasileiro, o verso seria traduzido por: "Dólar que te quero dólar" e representaria um senso comum com relação à segurança depositada nos investimentos referenciados no dólar americano.
Esta moeda tem sido, desde o final da 2ª Grande Guerra, uma referência internacional de valor, característica institucionalizada na reunião de Bretton Woods, em 1944, quando a arquitetura financeira internacional passou a ser apoiada em organismos sediados nos EUA e claramente dominados por aquele país. Nem mesmo a decisão de Richard Nixon de abolir a paridade dólar/ouro foi capaz de abalar a hegemonia da moeda americana no mercado internacional, embora a decisão tenha promovido a apreciação da onça troy do ouro dos US$ 35 a quase US$ 200 nos quatro anos seguintes. A partir daí, diferentemente do que se propunha no acordo de 1944, as taxas de câmbio entre as principais moedas entraram em período de instabilidade. A libra esterlina, que em 1971 era trocada por cerca de US$ 2,4, depreciou-se até US$ 1,05 em março de 1985, sendo hoje negociada na vizinhança de US$ 1,8. O iene, moeda da qual eram necessárias 357 unidades para comprar US$ 1 em 1971, entrou em processo de apreciação atingindo a relação de ¥ 80 / US$ 1 em abril de 95. Apesar de toda a flutuação, a hegemonia do dólar como principal moeda do mercado de dívidas soberanas e corporativas e como principal constituinte das reservas internacionais foi inquestionável.
O que eu desejo destacar, aqui, é que esta hegemonia não significa, necessariamente, segurança no investimento em dólar, entendendo-se segurança como poder de compra da moeda. O leitor dirá, coberto de razão, que os exemplos acima dão conta de grandes variações nas relações de trocas entre moedas e isso pode não estar ligado ao poder de compra. Para melhor análise, vejamos o que ocorre atualmente nos mercados de moedas e nos preços internacionais. Recentemente, a confiança no dólar foi abalada por crescentes déficits fiscais do governo americano, que se somam a uma tendência histórica de déficit comercial crescente. Cada uma destas duas contas acusa, hoje, desequilíbrio da ordem de 5% do PIB dos EUA, algo como US$ 550 bilhões. A conseqüência desta debilidade financeira veio sob a forma de desvalorização do dólar perante outras moedas.
O euro, por exemplo, depois de atingir valores abaixo de US$ 0,85 em 2001, iniciou uma recuperação chegando a superar a cotação de US$ 1,25 em 2004, algo como 50% de ganho no período. Evidentemente, quem tinha aplicações em dólares não se viu com menos moeda ao final do processo. Seu patrimônio, em dólares, não foi afetado pelo comportamento do mercado de câmbio. Contudo, ao adotar a contabilização do patrimônio em dólares, o investidor assume, como princípio, que o dólar é uma moeda com poder de compra "quasi-constante". Será esta hipótese válida?
Hegemonia não garante o poder de compra
Nos últimos 24 meses, a China tem ocupado espaço crescente no noticiário econômico, exibindo surpreendente crescimento, em um país em que todos os dados demográficos são superlativos e cuja economia já gera a 2ª maior renda do mundo, quando tomadas as taxas de câmbio ajustadas pelo PPP (purchasing power parity). Este crescimento desenfreado fez-se acompanhar por uma espetacular alta das commodities. A primeira conclusão foi a de que o impacto da demanda crescente da China causou um desequilíbrio no mercado internacional, provocando tal aumento.
Sem querer desprezar a influência, vale a pena fazer uma leitura dos preços internacionais usando a taxa de câmbio euro X dólar como filtro. Para que não se incorra no erro de particularizar o problema, tome-se o índice CRB, índice ponderado de preços de commodities criado pelo Commodities Research Bureau. Como as commodities são negociadas a preços referenciados em dólar, pode-se dizer que o CRB Spot Index também é denominado em dólar. No gráfico a seguir, este índice está representado pela curva azul. Observe a intensa alta que tem início em meados de 2002 e que acumula quase 50% de ganho no período. No entanto, observando-se a linha vermelha, que representa a conversão dos preços do CRB em euro, percebe-se que o período recente de ganhos é mais curto e que o movimento não chegou a 20% de alta.
Sem ter a pretensão de esgotar o assunto, o que quero provocar é uma reflexão a respeito da tal segurança dos investimentos em dólar. Se o poder de compra do valor investido não foi preservado, não se pode falar em segurança no sentido amplo. O que os preços evidenciam é a perda de poder de troca da moeda americana com relação aos preços internacionais. Cedo ou tarde, este fenômeno exercerá pressão sobre os preços domésticos nos EUA, exigindo ação corretiva do Fed, o que provocará perdas nominais nas carteiras de títulos denominados em dólar. E este será mais um motivo para o investidor se lamentar de ter acreditado tanto na segurança do dólar. Afinal, como diria Gertrude Stein, se lhe fosse pedido um conselho financeiro: "Um dólar é um dólar é um dólar." Só isto.