contunuando o assunto...
Laxismo do látex e escolha individual
Prometo a mim mesmo, todos os dias, que vou dormir mais cedo. E lá vêm vocês com questões. E cá estou eu escrevendo. É útil escrever? Sei lá. Às vezes, sou tentado a achar que não. O que há de gente que não entende o que lê — ou que lê o que quer, não o que está escrito — é um troço formidável. Mas é assim que ganho a vida. E, claro, também tenho prazer no que faço. Então faço. Sem camisinha. No fim das contas, embora esta seja uma atividade solitária, vai ver quero inseminar, contaminar. Huuummm... Vamos lá.
Alguns me atribuem a afirmação de que a camisinha não protege contra a Aids. Eu não disse isso. Não mesmo! Quem não acreditava no vírus até outro dia é o presidente da África do Sul, um “progressista” amigo de Nelson Mandela. Eu acredito. E recomendo firmemente que as pessoas, caso não sejam monogâmicas ou desconfiem que a outra não seja, usem o preservativo ou exijam que se use. Tratei foi de outra coisa.
Eu disse que a escolha moral correta salva mais do que a camisinha. Disse e sustento. É lógico, é matemático. Questão geral: não contrai AIDS por meio do sexo quem não faz sexo. É um método 100% seguro. Optando por fazer, também não contrai AIDS por meio do sexo quem, não estando contaminado, mantém relações monogâmicas com outra pessoa não contaminada, seja a prática heterossexual ou homossexual. Também é 100% seguro se estiver descartada outra forma de contaminação — sangue, por exemplo. As relações começam a ser de risco quando as pessoas não seguram o tesão e decidem fazer uma aposta.
Atenção: é nessa aposta que reside o risco da doença, desta ou de qualquer outra que possa ser contraída trocando fluidos corporais. Nesse caso, é claro, a camisinha é mais do que recomendável, é obrigatória. Mas não é tão segura quanto o método 1 (sexo zero) ou o método 2 (sexo responsável). “Ah, deixe de ser careta, carola, TFP, Opus Dei, reacionário (preencham aí à vontade...), Reinaldo. Quando vem o tesão, fazer o quê?”. Pois é. Então não há camisinha que dê jeito. E por isso a AIDS é um flagelo. Negar que exista um componente de escolha individual na expansão da doença por meio do sexo é negar o óbvio.
Aqui e alhures, as campanhas conta a AIDS são razoavelmente ineficazes, apesar da quantidade de dinheiro que mobilizam — a tuberculose mata muito mais no Brasil e tem muito menos verba porque não é uma doença influente; só mata pobre. Porque todo o apelo se concentra no uso do preservativo, com nenhuma forma de indagação de natureza moral. Jamais apela à consciência individual. É mentira que o primeiro mandamento das campanhas seja a responsabilidade. Ao contrário: antes de tudo, a mensagem aos jovens é “Façam sexo”. E só depois vem o complemento adverbial — quase instrumental: “com camisinha”.
Algumas pessoas ficaram escandalizadas com a minha afirmação de que máquinas de distribuição de camisinha nas escolas podem até aumentar o número de doenças entre os jovens ou a gravidez precoce. É uma ilação lógica. A primeira conseqüência será despertar para o sexo quem a tanto não se sentia compelido. Duvido que quem já se iniciou na prática ignore os benefícios da camisinha. O problema não está na ignorância, mas na falta de responsabilidade. É o que a escola deveria estimular, ensinar, fomentar. Em vez disso, vai distribuir preservativos. Não consegue ensinar matemática e língua portuguesa, como sabemos. Mas quer se meter da administração da genitália alheia.
Não! Não culpo doentes pela sua doença. As pessoas não transam com a finalidade de contrair AIDS. Mas elas têm de saber que isso é possível. Estamos acostumados ao conforto de ser tolhidos em nossa liberdade de escolha. Contradição? Em sentido profundo, é mesmo. Na prática, são questões opostas, mas combinadas. Os brasileiros estão se conformaram em ser subordinados morais de causas que julgam fora de seu alcance. “Matou porque é pobre e teve uma infância difícil”. “Engravidou porque é vítima da falta de informação”. “Contraiu AIDS porque nem sabia da existência da doença; era ignorante”. Então vai lá o Estado se oferecer para ser o pai patrão dos brasileirinhos.
Um leitor se indignou: “O que você tem contra transar com pessoas desconhecidas?” Eu??? Meu amigo, entre quatro paredes, sendo sexo consensual e desde que excluídos crianças e animais, cada um sabe de si. Mas tenho todo o direito — de fato, acho um dever — de discordar das campanhas públicas de educação sexual, incluindo a distribuição de camisinhas nas escolas, que tratam os indivíduos como idiotas funcionais. Valores culturais e morais que concorressem para adiar a iniciação sexual dos jovens, cada vez mais precoce, fariam muito mais contra a AIDS e a gravidez na adolescência do que esse laxismo do látex.
Mas sei que minha tese não tem a menor chance de prosperar. A maioria não pensa assim. Como quase sempre, a maioria está errada, hehe.
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"I used to be on an endless run.
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Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")