Mas não vejo bem a relação direta entre os científicos e a esquerda.
vamos mudar os nomes. chamemos esses caras de cientificistas, pra diferenciar dos cientistas mesmo. Agora, o marxismo é, desde o começo, chamado de socialismo científico, inclusive por um de seus criadores, o playboy filhinho de papai Engels. O socialismo existe desde pelo menos o platonismo, se você forçar a barra, mas a aplicação dos ferramentais de Hegel na "utopia" do igualitarismo - mesmo ferramental que baseia o primeiro Estado essencialmente burocrático e que coloca a figura do Estado acima das pessoas, que é o Estado alemão - e Marx se propõe a, com esse ferramental, concluir que a História nada mais é que uma luta interminável de classes. Isso no campo filosófico. Empiricamente, é muito mais fácil você ver um carola de direita e um intelectuar de esquerda, isso é inclusive o estereótipo, não é?
Pensava (mas posso estar absolutamente errado, e por isso estou perguntando a vc ) que essa escola de "matematizar" a economia fosse uma coisa essencialmente americana
Depende. A econometria é uma "nova ciência velha", mas eu prefiro dizer que é um ferramental antigo, bem limitado se a gente for falar em termos de determinação de políticas, mas útil como direcionador de análise. A econometria foi "fundada" por Sir William Petty, senior colleague do Isaac Newton na Royal Society! Agora, você tem razão quanto às principais aplicações modernas, inclusive em Finanças, o filho bastardo da Economia. Há pensamentos e pensamentos. Keynes (inglês também) era um matemático excelente: seu Tratado de Probabilidades é livro texto nas melhores universidades do mundo. Friedman rendeu-se a alguma matemática, os monetaristas utilizam a econometria como ferramenta de análise: como as características que você pode incluir no modelo são muito gerais (o homem é racional - pelo menos o que interage no mercado - procura maximizar utilidade/minimizar perdas etc), os resultados "numéricos" não podem ser levados em conta; o que se leva em conta é "preço sobe, demanda cai" para bens comuns (excetuam-se os chamados Bens de Giffen, que é muito mais uma construção teórica), e não " a elasticidade é de x%". Esse número é falso. Pra começar porque preços são discretos e os economistas utilizam matemática de espaço contínuo pra tratar essas questões.
O socialismo é "filosófico" na medida em que é, talvez, utópico, uma construção "ideal": somos todos iguais, logo os recursos devem ser distribuídos igualmente. A esse ponto de partida "filosófico" se contrapõe outro: os homens são livres. Um nega necessariamente o outro.
Mas o socialismo é, antes de mais nada, e pra alcançar seus ideais "filosóficos", um sistema econômico, que exige economia planificada, existência de burocracia estatal, que pode ser "leve", como temos no Brasil e na Europa, tivemos em alguns momentos nos EUA, ou "pesado", como tivemos no Camboja e temos na Coréia do Norte.
é muito ruim matematizar a economia? Tinha a impressão que mesmo que não dê para fazer previsões, regras gerais, etc, o comportamento, dado um prazo e uma amostra suficientemente grandes, mais ou menos funcionaria, não?
aí é que está: depende do porquê matematizar. prever inflação? no way, porque nenhum modelo consegue informações fragmentadas o suficiente pra "prever" resultados de desequilíbrios momentâneos entre oferta e demanda.
Mas você falou dos "grandes números": por que não utilizar informação agregada? Isso é a tal da macroeconomia! E aí você tem razão quanto à americanização: Stiglitz, Samuelson, Dornbusch, todos keynesianos. Adendo rápido: será coincidência serem todos do MIT? Será que não se impregnaram do tecnicismo e do cientificismo?
Keynes quis resolver a depressão do pós guerra propondo que o remédio pro desemprego era o aumento da demanda agregada (a demanda de toda a sociedade). Isso beeeem grosso modo. Então, em um quadro de queda de investimento, saindo de economia de guerra, quem tem $$ pra impulsionar a demanda agregada? O governo!! Só pra tentar te situar melhor, uma identidade macroeconômica fundamental diz que:
DA= C+G+Transf.
=> a demanda agregada é igual ao consumo (que é igual ao consumo de subsistência, aquele que existe mesmo quando não há dinheiro, porque, se não existisse você morria, mais o produto da propensão marginal a consumir, que é quanto a sociedade vai consumir a mais por cada unidade monetária adicional de renda, e da renda disponível, que é a renda da sociedade descontada do imposto)+ G, gastos do governo, + Transf., que são as transferências do governo pra sociedade, aposentadorias, pensões etc.
Quem, em tese, pode gastar pra caramba, a qualquer momento, e fazer com que o DA suba? O governo. Começa aqui a história do déficit não ser problema e que, no longo prazo, estaremos todos mortos.
Mas acontece que a macroeconomia não existe! Como análise é ok, mas como direcionador de política - O Estado deve gastar - ela levou à estagflação mundial da década de 1970, que só superamos agora. Na década de 70, o mundo estava em recessão e com inflação alta, o que é meio paradoxal. Como o mundo saiu dessa? “destruindo” um pouco do monstro macro, começando com o Paul Volcker, presidente do Fed antes do Greenspan, e continuando com o Greenspan. Eles pararam de tentar modelar a economia, passaram apenas a direcionar os mercados e hoje não importa quem será o presidente do Fed, porque ele não interfere tanto.
Voltando: a identidade macro, se você for dissecar, tem várias premissas que não se sustentam em todo lugar, a qualquer instante. Valem em uma situação específica de modelamento, que não representa nenhum caso, porque é muito reducionista!
É como em finanças. Aliás, o Friedman participava da banda de exame do doutorado do Harry Markowitz, prêmio Nobel em 90 (Friedman em 76), e, quando o Markowitz acabou o lecture, sobre diversificação de portfolios, o trabalho que lhe valeu o Nobel, o Friedman virou pra ele e disse: “muito interessante, mas isso não é Economia, não é Finanças, não é nem Administração...”. No fim doutoraram o cara, e a teoria da diversificação de portfolio, que nada mais é que a matematização de “não ponha todos os ovos na mesma cesta”, é ensinada como o be-a-bá dos investimentos. Mas sua premissa básica é esdrúxula! Presume que o mercado processa, ao mesmo tempo e da mesma maneira, as informações que recebe. Mas, SE ISSO FOSSE VERDADE, todos valorizariam seus ativos da mesma maneira, enão haveria comércio! O comércio ocorre se eu tenho uma coisa valiosa pra vc e vc tem uma coisa valiosa pra mim, e tenho uma coisa que pra mim vale menos, e você também tem. Porque avaliamos as coisas diferentemente, porque há DISCREPÂNCIA DE INFORMAÇÕES, é que comercializamos! Markowitz foi brilhante, sua teoria é belíssima – poderosa e simples – serve como ferramenta de análise e estruturação de investimento e gestão de risco, mas não deixa ninguém rico. Quem fica rico é quem lucra com a assimetria de informação, como Warren Buffett. Ou seja, por mais que haja matemática, no fim são pessoas se relacionando, interpretando e reagindo a informações ou a algo que imaginam ser informações, de maneira completamente diferente, que pode ou não se direcionar para um equilíbrio, que é o ponto teórico onde eu não quero comprar nem vender mais nenhuma unidade.
Resumindo (?): matemática serve pra análise, não pra síntese, pelo menos em ciências humanas – que, a rigor, não deveriam nem ser chamadas de ciência e que eu, como americanófilo empedernido, prefiro chamar como eles chamavam: artes liberais.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")