FHC menciona o momento em que, como diz, não teve alternativa: “ou privatiza ou não tem investimento, porque o estado está falido”. Todos acreditaram. ou fizeram de conta
Por Phydia de Athayde
Para encontrar-se com o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, é preciso atravessar o luxuoso lobby do Hotel Gran Meliá WTC, em São Paulo. No andar superior, há que caminhar por um corredor acarpetado. De um lado, espelhos, do outro, uma parede de vidro de onde escorre água de maneira uniforme, criando um efeito visual. Mais um pouco e é preciso, então, mesclar-se à massa de empresários em frente à sala Las Palmas. Ah, sim. Para ali chegar é preciso, antes de tudo, ser um dos convidados da Medial Saúde, empresa que encomendou os serviços do supracitado palestrante.
Passa das 9 horas e cerca de 150 empresários, todos convidados, tomam café da manhã espalhados em 11 mesas no interior da sala, que tem pé-direito altíssimo e piso acarpetado.
Ciclo de palestra.
Recepção do Hotel Gran Meliá WTC; sala cheia para receber e ouvir o ex-presidente
Alair Martins, presidente do Grupo Martins, quarto maior varejista do mundo. Edson Vaz Musa, presidente da Caloi. Mario Amato, ex-Fiesp e presidente do Club Athletico Paulistano. Alcides Tápias, ex-ministro do Desenvolvimento do palestrante. João Saad, presidente do Grupo Bandeirantes. Esses e mais outros presidentes e representantes de empresas do porte de Souza Cruz, Kopenhagen, Xerox, Bombril, McDonald’s, Ericsson, Vivo, Semp Toshiba, Pernambucanas, Alcoa, etc. entre os convidados.
Não é, mas em algo lembra uma confraternização de fim de ano. No palco, dois enormes banners da empresa anfitriã. No centro deles, microfone e aparador para o palestrante, que versará sobre o tema Cenário Econômico, Crescimento e Desenvolvimento.
Já no dia anterior, o assessor de imprensa avisou: “Ele não vai atender a imprensa”. Ali, metido num terno aprumado, sorri e explica: “Há uns 15 dias, em uma palestra a médicos do Albert Einstein, ele ficou traumatizado”. Traumatizado? O assessor prossegue: “É que já vieram perguntar do Waldomiro...” Sua função, aqui, é evitar que o palestrante se traumatize novamente.
Às 9h45, cessa o burburinho na sala Las Palmas. Ouve-se uma leve rajada de palmas. O palestrante adentra o gramado, perdão, o recinto. Acompanhado de quatro ou cinco pessoas, caminha até a frente do palco. Tem as costas algo curvadas e avança lentamente, a sorrir e cumprimentar os que lhe fazem reverência. Óculos finíssimos, corte de cabelo muito recente, cabelos de um cinza quase branco. Apenas o nó de sua gravata destoa um pouco do bom trabalho de apresentação: está torto para a direita.
Tendo alcançado a primeira mesa, senta-se e toma uma xícara de café. Muitos dos convidados aproveitam a oportunidade para apertar a sua mão: “Deixa eu só cumprimentar o nosso patrono”, diz mais um feliz admirador do ex-presidente.
Dez minutos depois, o mestre-de-cerimônias, ao microfone, anuncia a presença do pianista João Carlos Martins, que executará o Hino Nacional Brasileiro. João Carlos sofreu um acidente que limitou sua capacidade motora e trocou a carreira de pianista pela de regente. O pianista faz o retumbante esforço de dedilhar o hino apenas com o polegar direito, e dois dedos da mão esquerda.
Todos de pé. O hino. Aplausos. Agradecimentos e, então, o palestrante adentra o gramado, perdão, o palco. Mais aplausos. Ele sobe, mira a todos. Começa. Cordialmente, agradece a oportunidade de ali estar.
Por quase uma hora,
um speech cheio de panos quentes e referências curvas; antes de se despedir, sessão de fotos, fotos, fotos...
Faz questão de lembrar o episódio em que sua sogra estava hospitalizada, “desenganada”, e ainda assim fora tratada “como gente”. Depois do causo, a larga experiência de orador o alerta para que mude de assunto. Assim o faz. Com um sorriso maroto, desafivela o relógio e brinca com a platéia: “Como sou um falastrão, vou colocar o relógio à minha frente, para não exceder o tempo que temos”. Risinhos.
Não é esta uma platéia difícil, longe disso. Ainda assim, vendo de perto, o ex-presidente está com o buço suado. Nervosismo? Provavelmente calor, ou excesso de holofotes.
Pontual, o serviço começa. De 10 da manhã até quase 11, o palestrante... palestra. Começa falando do Brasil nos anos 50 e 60. De como o País exportava produtos agrícolas para importar manufaturados. De como JK atuou nos primórdios do que “hoje se chama globalização”. O tempo passa.
Fernando Henrique lembra do momento em que, como diz, não teve alternativa: “Ou privatiza ou não tem investimento, porque o Estado está falido”. Na defensiva, prossegue: “Se eu gosto ou não, é outra questão”. (Em tempo: entre os 150 presentes, todos acreditaram. Ou fizeram de conta.)
Em seu speech, o ex-presidente elogia a expansão do sistema universitário no País: “Por mais que se critique, avançou”. Cita como exemplos de excelência nacional “a Embraer, a Petrobrás, o desenvolvimento de urânio...” Opa, urânio? Mas, a seguir, os tucanos, perdão, os panos quentes: “...que não vou comentar aqui”.
Prossegue. Nem uma vez sequer o nome do atual presidente é citado. Mas não faltam referências ao seu governo: “Poucas vezes tivemos, no mundo, condições tão favoráveis como as de 2003 e 2004”, para prosseguir, retesando as sobrancelhas: “Às vezes, me dá uma certa agonia...” Mas, logo, os panos: “Hoje em dia, a capacidade de ação dos governos é muito mais limitada do que no passado”.
O palestrante ainda encontra maneira de mencionar, e repetir, a expressão “pensamento mágico”, que seria o pendor da sociedade brasileira por uma espécie de crença em milagres na solução de seus problemas. Eventualmente, 52 milhões de brasileiros mudam de idéia. Podem até mudar em seguida, e em seguida, mas mudam. Deve ser o tal pendor.
Pontual, o serviço termina. Ou quase. Finda a palestra, vêm as fotos, os tapinhas nas costas. Nos 15 minutos seguintes, o palestrante posa.
Posa.
Posa.
Foto com a família anfitriã, foto com a família anfitriã e crianças, foto com um, foto com outro, foto com outros. O sorriso não vai embora, mas, lá pelo décimo clique, pede clemência aos fotógrafos: “Última”. Ainda não. “Pronto.” Ainda não. “Tchau.” Ainda não. No corredor, acarpetado e com parede de vidro, duas jornalistas querem saber se ele é candidato em 2006. Posa. “Estou disposto a continuar como ex-presidente.”
só lembrando: FhC é o aumentativo de PhD.