by mends » 13 Jun 2006, 10:45
Futebol etc. e tal
Gosto de futebol, sou corintiano do tipo que sai para gritar “goooooolllll” na sacada, em companhia da minha filha mais nova, também um tanto fanática. A mais velha, bem..., está naquela categoria que não entende por que tanta gente correndo atrás de uma bola pode despertar algum interesse. Saiu à mãe, que cochila em fim de Copa do Mundo e acha que o que estraga o jogo é a lei do impedimento. Não fosse isso, teríamos placares alargados, com mais emoção...
Gosto, mas sempre fui uma lástima com a bola no pé. Já contei aqui. Nas formações de time da escola, os capitães, que eu invejava quase como deuses olímpicos, ao escolher os times, me deixavam sempre para o fim: “Tá bom, então vem pra cá”. Eu era uma moeda de troca, entendem? Um ou dois ruins para cada lado. Fui um dos precursores da política de cotas no país, o que não contribuiu para fazer de mim nem mesmo um jogador medíocre, desses de fim de semana.
Lá ia eu. “Fica aí atrás e não deixa o cara passar com a bola.” Entenda-se: no limite, era pra me jogar em cima do atacante, derrubá-lo, fazer falta, ser expulso, jogar feio. Às vezes, acho que meu texto reflete aquela sutileza aprendida no campo. Enquanto isso, os príncipes da bola faziam suas firulas. Eu era o Bruno Maranhão deles.
Mas não peguei ódio ao futebol. Ao contrário. Admiro com devoção tudo aquilo que não sei fazer. Dirigir automóveis, por exemplo, é coisa muito mais séria do que escrever livros. Os que entendem de motores e são capazes de identificar o problema de um carro por causa de certos barulhos e chiados são gênios da raça. Eu os invejo a todos: jogadores, motoristas, especialistas em carros, em eletricidade... Que joguem por mim, dirijam por mim, liguem os fios certos por mim. Só preservo o meu direito de dar opinião. Como não sou presidente, ainda que seja um tanto falastrão, só faço mal a mim mesmo. E isso, entre tantas coisas, me distingue de Lula, que protagoniza um mal histórico, de efeitos coletivos.
Sempre que o vejo pontificando sobre o que não entende, é como se eu estivesse disputando uma Copa do Mundo, mesmo jogando o que jogo. Agradeço a Deus não ter filhos, meninos. Escolas sempre promovem futebol de pais. Imaginem o pobre garoto a me ver humilhado pelos pais dos coleguinhas, tomando dribles, esbaforindo-me para arrancar algum heroísmo e fôlego do contencioso já estabelecido pelos muitos Hollywoods inutilmente fumados, sem que tenha tido, enfim, as respostas: “De onde viemos? Para onde vamos? O que é a terceira margem do rio?”.
Tendo só filhas, fica tudo mais fácil: a demanda por um pai ginástico, heróico, hercúleo, diminui bastante. O mundo dos homens é uma chatice. Por isso, em vez de machista, sou “mulherista”. Mais do que o futebol da escola, me aterroriza pensar na conversa posterior, na cervejada (argh!), nas pequenas cafajestagens para ser um cara alegre, de companhia, cordial, boa gente, naquela conversa inútil, generalista, mas muito cheia de convicção, como numa reunião de motoristas de táxi...
Deus, ao me poupar de certos talentos médios, poupou-me também de alguns dissabores. Assim é a vida neste mundo de compensações. Péssimo boleiro, a minha relação com o futebol permanece mediada por certo encantamento mágico. Leio o mundo segundo a linguagem que sei. Sempre achei que perdemos a Copa de 1998 para Rivaldo, que afrontava o deus olímpico do campo, justamente Ronaldo, emulando com ele em alguns dotes do drible, mas sem o ânimo que faz o jogador fora de série, o aristocrata, o herói.
No meu mundo, quem desafia a superioridade óbvia não emula, mas faz sabotagem, terrorismo. Penso que Ronaldo ainda pode ser, neste 2006, mais uma vez, o grande nome da Copa. Há nele a suave obsessão das pessoas incomuns. De resto, ainda que não faça mais nada, com a sua fala desta sexta, restaurou a devida hierarquia espiritual. Se Lula não puder se calar para sempre, que ao menos feche a boca até o fim da Copa do Mundo.
Reinaldo Azevedo