by mends » 22 Nov 2005, 18:47
à parte a linguagem rebuscada do jornalão francês...
Ronaldinho Gaúcho ofusca glórias do Real Madrid
Houve uma transmissão de poder no estádio Santiago Bernabeu, em Madri, onde o genial atacante brasileiro multiplicou suas façanhas
Elie Barth
Correspondente em Madri, Espanha
Cada país tem os jogos decisivos que consegue ter. Na França, é permitido ao público bocejar diante do espetáculo de jogadores quase sempre refreados pelas suas obrigações táticas. Na Espanha, o "clássico" entre o Real Madrid e o FC Barcelona é tradicionalmente uma partida de alto nível, com muitos lampejos de inspiração. Ele transcende as imaginações e incentiva os atletas a se superarem.
Em certos casos, pode acontecer também de este clássico marcar uma ruptura que relega o resultado para um plano quase secundário. Ele se transforma então no anúncio de uma era de abundância para alguns, é num pressagio do declínio para os outros.
Foi justamente o que ocorreu no último sábado (19/11), no estádio Santiago Bernabeu de Madri, no momento exato em que Ronaldinho acabava de derrubar os madrilenos, marcando o terceiro gol para os catalães, e perpetrando na mesma ocasião a sua segunda façanha da tarde. Os 80 mil espectadores deixaram então de lado as zombarias dirigidas aos seus heróis arrasados para aplaudir o atacante brasileiro.
"Eu nunca teria imaginado que o público do Real pudesse me reservar uma ovação", diria depois do jogo o ex-jogador do Paris Saint-Germain. Este reconhecimento foi obtido apenas pelo argentino Diego Maradona, no tempo do seu esplendor, na noite de uma precedente derrota madrilena. Uma tal homenagem é cruel para um Real "sem fôlego e sem forças", conforme reconheceu o seu próprio líder, o meia atacante Zinédine Zidane, símbolo de uma supremacia revoluta.
Estrelas desgastadas, envelhecidas
Chegou a hora do homem do rabo-de-cavalo. Com o seu semblante de moleque travesso, Ronaldinho renova os cânones do super-herói de short e de chuteiras. À potência, ele responde com a velocidade; à execução de manobras ensaiadas durante o treino, ele opõe a vitalidade de movimentos renovados.
Assim como um marimbondo belicoso, ele avança em velocidade sobre os seus adversários, gira em volta deles e acaba picando sua vítima, no caso o goleiro. Em duas oportunidades, este solista genial de 25 anos efetuou um slalom entre os pares de piquetes da defesa madrilena, antes de concluir (15º e 33º minutos do segundo tempo).
"Eu estou satisfeito que ele tenha sido o vencedor da Bola de Ouro neste ano, pois ele a merece de longe", elogia um precedente ganhador deste troféu (1997 e 2002) oferecido pela publicação "France-Football", Ronaldo, antecipando o anúncio oficial.
"Um jogador como Ronaldinho deveria pertencer ao nosso escrete", declarou David Beckham às vésperas deste jogo "de cúpula", como se o meia inglês tivesse pressentido a derrota do seu time e a demonstração do artista do Barca que estavam por vir.
Imbuído dos seus sonhos de grandeza, o clube madrileno acreditou que bastava reunir as melhores individualidades para apresentar um time invencível, mesmo correndo o risco de cavar um déficit vertiginoso. Esta política dos "galácticos", que começou a ser implementada no início do século, revelou ser vencedora com um título de campeão da Espanha (2003) e a conquista de uma 9ª Liga dos Campeões (2002), o que não é pouco.
Mesmo assim, teria sido necessário, para evitar a ressaca, preparar um novo projeto coletivo, visando a substituir estrelas desgastadas, envelhecidas, cansadas.
"Para que os jogadores, por mais talentosos que sejam, possam afirmar o seu talento, ninguém pode prescindir de um certo número de regras, entre as quais a primeira diz respeito ao equilíbrio de um time", repetiu o treinador holandês do Barça, Frank Rijkaard. "Se Ronaldinho foi maravilhoso, ele deve isso ao trabalho de todo o time, que lhe permitiu dar o seu espetáculo".
Com quatro pontos de atraso em relação ao Barcelona depois de doze rodadas apenas, o Real não está irremediavelmente distanciado, mas foi a demissão coletiva que impressionou as mentes. Tudo ocorreu como se esta tropa disparatada em momento algum tivesse acreditado nas suas chances frente ao campeão em título. Com a exceção do goleiro, Iker Casillas, o time inteiro pareceu ter sido tomado pelo tédio.
Zinédine Zidane não escapou das críticas. A sua produção foi "patética", segundo publicou o jornal "El Mundo Deportivo". Infeliz nos seus passes, ele cometeu algumas irregularidades que traduziram a sua confusão. Em sua defesa, convém lembrar que o seu início de temporada foi marcado por várias contusões (inflamação do púbis e dos músculos adutores). Contra o Barça, ele estava retornando aos gramados, após uma indisponibilidade de cerca de um mês. "Eu não estou mais sentido qualquer dor, eu vou recuperar o ritmo aos poucos", indicou.
O desempenho do capitão da seleção da França, por ocasião da vinda a Madri do Olympique de Lyon, nesta quarta-feira (23/11), em jogo válido para a Liga dos Campeões, será forçosamente observado de perto, faltando pouco mais de seis meses para a Copa do Mundo.
Será que o Real conseguirá emergir do seu torpor sem o seu capitão Raul, contundido? Se este não for o caso, o treinador Vanderlei Luxemburgo, fatalista, já se antecipou: "Caso eu tiver que partir, partirei".
Tradução: Jean-Yves de Neufville
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")