Sorte que parou, por que era ruim pra cacete
Lalas abandona 'rebeldia' e vira cartola
Ex-zagueiro da seleção dos Estados Unidos corta cabelos, faz a barba e preside o San Jose Earthquakes, equipe de futebol da Califórnia.
Renato Chu, especial para o Pelé.Net
SÃO PAULO - Quem o viu na Copa do Mundo de 1994 dificilmente imaginaria que Alexi Lalas um dia se tornaria um "homem sério". Quando se aposentasse, aquele zagueiro da seleção dos Estados Unidos com cabeleira ruiva e longo cavanhaque provavelmente seria um aspirante a roqueiro. Talvez, engordasse algumas dezenas de quilos e comprasse uma jaqueta de couro e uma moto Harley-Davidson. Ou, quem sabe, acabaria como um daqueles hippies que parecem perdidos no tempo.
Muito pelo contrário. O ex-zagueiro dos Estados Unidos virou gente grande e conseguiu um trabalho de fazer inveja a atletas considerados "intelectuais" ou "diferenciados" quando comparados a seus colegas de profissão, como Rogério Ceni ou Ricardinho, no atual futebol brasileiro. Lalas, atualmente com 34 anos, virou presidente de time.
O dono da camisa número 22 da seleção norte-americana na Copa de 1994 fez a barba, cortou os cabelos e, desde o começo do ano passado, é o presidente do San Jose Earthquakes, equipe campeã da Major League Soccer (MLS) em 2001 e em 2003.
Lalas tenta marcar o artilheiro Romário na Copa do Mundo de 1994, nos EUA
Quando surgiu o convite para ser o presidente do time da Califórnia, em janeiro de 2004, Lalas ainda estava pensando se iria se aposentar dos campos de futebol. Poucas semanas antes, o ex-zagueiro, então com 33 anos, havia ouvido do Los Angeles Galaxy a notícia de que não estava nos planos do time para temporada seguinte.
"A empresa dona do San Jose Earthquakes (Anschutz Entertainment Group) é a mesma do Los Angeles Galaxy. Quando acabei minha carreira por lá e estava pensando no que iria fazer, o presidente dela (Timothy Leiweke) me telefonou dizendo 'temos uma vaga de presidente lá em San Jose. O que você acha?' Você não tem uma oportunidade dessas muitas vezes na vida. Na hora aceitei e viajei para cá", explica Lalas.
O ex-jogador admite que a possibilidade de virar cartola não era a que ele mais imaginava quando pensava no que fazer após pendurar as chuteiras. Na primeira vez em que se aposentara, em 2000, Lalas trabalhou como comentarista de futebol para as redes de televisão ABC, NBC, ESPN e Fox Sports.
"Isso é uma ótima oportunidade de aprendizado para mim. Estou passando esses dois últimos anos vendo de maneira completamente diferente um esporte que eu joguei durante muito tempo", afirma, com entusiasmo, o presidente dos Earthquakes.
Mesmo contente com sua decisão, Lalas revela ter inveja de ao menos uma parte da carreira de atleta de futebol. "Jogadores adoram dizer o quanto que eles trabalham. Na verdade, não é bem assim. Você vai, trabalha por algumas horas e é isso, pronto. Você vai para sua casa e pode fazer o que quiser. Agora não. Agora eu já acordo pensando no monte de coisas que eu tenho que fazer aqui, e é assim até a hora de dormir".
A CARREIRA DE LALAS
Alexi Lalas é o principal representante do renascimento do soccer nos Estados Unidos a partir dos anos 90. O ex-zagueiro, que jogava pela Rutgers University desde 1989, foi convocado para a seleção norte-americana pela primeira vez no ano seguinte.
Em 1994, o defensor foi chamado pelo técnico iugoslavo Bora Milutinovic e se tornou um dos destaques da surpreendente campanha dos Estados Unidos na Copa do Mundo. A equipe caiu na competição nas oitavas-de-final, ao perder por 1 x 0 para o Brasil.
Ao lado de Marcelo Balboa (autor de um belo "quase gol" de bicicleta na vitória por 2 x 1 sobre a Colômbia), Lalas fez da defesa do time o ponto mais elogiado da seleção norte-americana no torneio.
Depois do Mundial, Lalas foi chamado para jogar no Padova, equipe recém-promovida à Série A do Campeonato Italiano. Em sua primeira equipe como profissional, o carismático zagueiro se tornou o primeiro norte-americano a disputar o Calcio.
No entanto, o zagueiro conquistou os seus quatro títulos como profissional apenas com a camisa do Los Angeles Galaxy, equipe pela qual desistiu de sua aposentadoria no começo de 2001. Com a seleção dos Estados Unidos, também disputou as Olimpíadas de 1992 e de 1996.
"Estou muito contente pelo business que o futebol está se tornando aqui. É algo novo. É como se estivéssemos começando uma empresa e ela estivesse se expandindo rapidamente. É excitante participar disso, tomar decisões que afetarão essas mudanças que estão acontecendo".
A "normalização" de Lalas
Lalas diz que começou a rever a sua aparência há "alguns" anos, no final de sua carreira como jogador. O ex-zagueiro, que se mostrava um desafeto dos ternos e até de xampus quando se tornou o primeiro norte-americano a disputar a Série A do Campeonato Italiano (pelo Padova, na temporada 1994-1995), enfim, sucumbia ao sistema.
"Ainda sou a mesma pessoa. Por muitos anos tive essa idéia de manter uma imagem, com um cabelo diferente, como um rockstar. Há alguns anos eu decidi cortá-lo, mas por dentro eu ainda sou a mesma pessoa", assegura, entre risadas, Lalas.
O próprio presidente do Earthquakes diz acreditar que talvez não pudesse exercer bem a sua função na equipe se mantivesse alguns de seus valores estéticos. "Por um lado, eu acredito que não importa muito a parte externa de uma pessoa desde que ela se mostre competente em sua tarefa. Mas, por outro, eu sei que sua aparência diz muito de você e de sua empresa, acho importante você estar 'bem' para representar a sua organização".
Apesar do visual grunge ter ido embora, Lalas continua envolvido com a música. No entanto, o ex-zagueiro, que chegou a lançar três discos (dois como cantor e guitarrista da banda The Gypsies, um em carreira solo), passa a ver suas canções de maneira menos profissional.
"Continuo tocando. Eu tenho um estúdio em casa. Sei que fui um jogador melhor por causa da música e sei que fui uma pessoa melhor por causa da música. Não importa o que estiver fazendo, vou continuar tocando sempre".
Drible na falta de experiência
A nomeação de Lalas para ser o mandatário do Earthquakes parece estranha para torcedores acostumados ao futebol nacional. Na maioria dos grandes times do Brasil, um cartola só vira presidente depois de anos como conselheiro e de passagens por cargos ligados à administração do clube. O ex-zagueiro, no entanto, assegura estar lidando bem com a falta de experiência.
"Todo diretor geral entende que é necessário contar com bons profissionais ao seu redor. Comigo não é diferente e posso contar com a ajuda de pessoas bastante competentes. Quando cheguei aqui, fui muito sincero. Eu disse: 'tem coisas que sei e coisas que não sei'. Também não tenho vergonha de perguntar nada. Por outro lado, há coisas que eu sei e que ensino a eles", conta o norte-americano.
No futebol dos Estados Unidos, em que o esporte está mais ligado à "indústria do entretenimento", Lalas atingiu feitos respeitáveis em seu primeiro ano. Os jogos dos Earthquakes tiveram um aumento de 24% de público -média de 13.001 torcedores por partida em casa. Em 2004, as vendas de carnês de ingressos para toda a temporada também cresceram significativamente em relação a 2003: 22%.
"Tenho duas responsabilidades aqui. Uma é o time que eu irei colocar em campo, o relacionamento com os torcedores, a parte do entretenimento, a busca por títulos. A outra é a parte do negócio: vender os ingressos, aproximar os jogadores da comunidade. São duas tarefas diferentes e posso dizer que estou mais confortável agora do que quando assumi a presidência", explica Lalas.
Nos campos, no entanto, o desempenho da equipe não foi tão bom em 2004. Apesar de, pela primeira vez contar com cinco jogadores eleitos para serem titulares no All Star Game, o San Jose ficou em quarto na Conferência Oeste e foi eliminado pelo Kansas City Wizards logo na semifinal da chave (depois, ainda haveria a final do Oeste e a decisão do título contra o melhor do Leste).
Na atual temporada, sem Landon Donovan, um dos destaques de 2004 (transferiu-se para o Bayer Leverkusen), os Earthquakes estão em terceiro em sua conferência, com nove pontos em seis jogos. O Los Angeles Galaxy é o líder, com 12 pontos em cinco partidas.