by mends » 14 Aug 2006, 09:06
Reinaldo Azevedo
Pesquisa: direita seria maioria no Brasil. Será mesmo? E a economia? Trato disso num texto longo.
Opa! Quase metade dos brasileiros é “de direita”, e nós não sabíamos disso? Quase metade é direitista, mas o risco concreto que o país corre é caminhar para uma ditadura velada de esquerda, embora com a economia gerida pela, sei lá, direita financeira? Segundo pesquisa Datafolha que está na Folha deste domingo, dizem-se “de direita” 47% dos entrevistados; 23% se consideram “de centro”, e apenas 30%, “de esquerda”. Infelizmente, não deve ser verdade. O que é verdadeiro, aí, sim, é que os nativos de Banânia nem sabem o que é isso. Devem associar “direita” a coisa de “gente direita” e “esquerda” a algo maligno — é verdade, mas não do jeito que eles pensam, hehe.
Tenho 44 anos. Quando eu era criança, ainda havia pais de canhotos que associavam a característica a um desvio, quase uma doença. “Canhoto” é um dos nomes do diabo. Na geração de meus pais, formavam-se adultos disléxicos porque forçados a usar a mão direita contra uma determinação do seu cérebro. Minha filha mais velha, canhota, me dá conta de que o preconceito, ao menos entre as camadas mais informadas, acabou. Mas restou alguma coisa na linguagem e no imaginário. É mais desinformação do que preconceito.
Preconceituosas mesmo, curiosamente, são as camadas sociais mais informadas, a começar de jornalistas, que associam tudo o que há de ruim no mundo à direita. Os direitistas são também chamados de “conservadores” — inclusive na matéria da Folha que trata do assunto. E um “conservador”, vocês sabem, não é alguém que queira, por exemplo, conservar as instituições. Ou os direitos fundamentais do homem. Ou as liberdades individuais. Nada disso: um direitista ou um conservador jamais se distingue de um reacionário. Na mídia, é o homem que se opõe ao progresso.
Leiam as matérias da Folha. Vocês verão que alguns intelectuais falam a respeito. E a maioria associa essa autodeclaração — maioria de direita — à falta de informação, a soluções fáceis, impensadas. O pressuposto é o seguinte: se você for realmente um cara informado, bacana, que busca o desenvolvimento e o progresso, então você só pode ser de esquerda. Um certo preconceito quase mítico que uma parte da população tem contra a palavra “esquerda” (“canhoto”, brrrr...), os “intelequituais” tem contra a palavra “direita”. A verdade é que tanto o “povo” como esses “intelequituais” não sabem o que dizem.
Aborto, pena de morte etc.
Vejam vocês. São contra a descriminação da maconha 79% dos entrevistados. Opõem-se ao aborto 63% deles. Defendem a redução da maioridade penal 84% dos que responderam a pergunta. Oba! Estou com essas maiorias. Sinto-me representado pelos 79%, 63% e 84%. Será que somos almas assim, como vou dizer?, tão simples, todos nós? Estaríamos contra o progresso social? Contra o bem? Contra o belo? Contra o justo? Qual é o bem que a maconha pode trazer às famílias, às crianças, aos adolescentes? Quem aí diz com certeza quando começa uma vida, sem titubear? Quem quer dar emprego para Champinha? Como diz um “intelequitual” à Folha, acho que fiquei exposto demais à propaganda dos “neocons” americanos...
Só divirjo da maioria no caso da pena de morte. A maioria, 51%, é favorável. Sou contrário. Porque não delego a humanos o direito de tirar a vida — só de prolongá-la com o que estiver ao alcance do seu conhecimento — e porque não se pode tomar uma decisão dessa envergadura havendo uma possibilidade, mínima que seja, de erro. Acho que é uma posição coerente com quem se opõe ao aborto. Eu até hoje não entendi por que isso traz menos progresso social do que a opinião dos “esquerdistas”, que defendem o “direito” ao aborto, mas acham a pena de morte uma atitude de direita...
Contardo Calligaris falou coisa com coisa na Folha. Ele se disse surpreso com o resultado porque “ser de esquerda geralmente traz uma posição mais gloriosa de si mesmo”. É verdade. Só que isso é fato, Contardo, nos ambientes em que nós circulamos. Em que se pode ser “gloriosamente” irresponsável. Notas abaixo, falei dos “intelequituais” de Parati, liderados por Tariq Ali, que escreveram um manifesto contra Israel e ignoraram os ataques do Hezbollah. Desta vez, aposto mais do que o mindinho — pode ser o glorioso, mesmo: defendem também a descriminação das drogas, o aborto e o casamento gay. E são contra a maioridade penal aos 16, a pena de morte, os EUA, Bush e Israel.
Meu amigo Olavo de Carvalho, que a esquerda gosta de malhar, mas sem conseguir deixar de ler, disse numa entrevista à Folha que “o povo é de direita”. A entrevista integrava um conjunto de textos da Ilustrada que mapeava a “nova direita” no Brasil, de que ele seria o decano. Eu estava lá, incluído no grupo. Discordei um tanto dele justamente por esse caráter que se costuma emprestar ao termo: direita é igual a uma regressão para a mídia. Marilena Chaui, a Caixa da Pandora da Filosofia, acaba de lançar mais dois livros (Deus!). Em um deles, fala dos vínculos indissolúveis entre a esquerda e a democracia. É mentira. A esquerda sempre detestou a democracia e a considerou algo a ser superado.
A minha discordância de Olavo não era de essência. Relacionava-se ao fato de que o termo “direita”, compreendido em nosso meio como um xingamento — outra vitória da esquerda —, não dava conta de que, vejam só!, o povo quer, sim, progresso social. Tanto quer que continua a resistir à maciça propaganda supostamente humanista (e, de fato, homicida) da esquerda. O povo, como revela a pesquisa, na sua maioria, é, entendo eu, “progressista”. Mas precisa de liderança. Ou faz bobagem. Sai por aí fazendo linchamentos.
Maioria silenciosa
Uma boa leva de políticos no Brasil deveria olhar para os dados do Datafolha com vergonha. Vergonha de si mesmos e de sua covardia. Existe uma maioria silenciosa que hoje não encontra uma representação consistente. Uma boa pergunta seria a seguinte: como pode Lula vencer, ao menos por enquanto, a disputa presidencial no 1º turno se a maioria da população é mesmo de direita?
A resposta está em dados secundários da pesquisa do Datafolha: 35% consideram Lula de esquerda, e igual percentual acha que Alckmin é de direita. Entre os entrevistados com nível superior, são 58% os que vêem Lula como um esquerdista, mesmo número que vê Alckmin como um direitista. É nesse nicho que o debate poderia estar mais bem colocado. Só que é justamente aí que ele assume uma característica obscurantista. Nessa categoria, estão justamente os formadores de opinião, imprensa incluída, seqüestrados para a tese de que a esquerda é igual a progresso social, e direita, a reacionarismo.
Economia
O curioso nisso tudo é que a economia fica fora do debate. Acostumado que estou a ser chamado pelos petralhas de “direitista” no sentido mais pejorativo do termo — não renego o nome porque o nominalismo é só uma das variantes que assume a burrice —, sempre me considerei, vamos dizer, à esquerda (segundo os termos deles, não meus) do governo Lula no que diz respeito à economia, por exemplo. Dado que não trato “esquerda” como sinônimo de progresso, evito classificar a política econômica em curso de “direitista” porque corresponderia a cair no truque que eu denuncio.
Além das qualidades intelectuais inegáveis, meu candidato à Presidência era José Serra em 2002 e, agora, em 2006 porque eu concordo com o seu pensamento econômico, que talvez um banqueiro ou outro considerem de, sei lá, “esquerdista”, o que, obviamente, definiria, então, o lugar da atual equipe econômica: a “direita”. Mas eu não tenho a menor vontade de defender o ministro Henrique Meirelles — Mantega não conta. Há dias, peguei no pé, neste blog, do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, que já pertenceu ao Iedi. Ele disse que o governo não poderia aliviar a carga fiscal neste ano nem que “arriasse as calças”. Pareceu-me que, quando no Iedi, ele era mias inteligente e mais educado.
Eu considero que a política cambial e a de juros que estão em curso são desastrosas para a economia brasileira no médio prazo; que elas respondem, em boa parte, pelo crescimento pífio na comparação com outros emergentes e pelo desemprego ainda acima de 10% no país. Termos, em 2006, uma taxa real de juros apenas um ponto inferior à de 2002, quando todos os índices macroeconômicos mudaram radicalmente a favor do país, indica que o governo fez uma escolha, e não foi em favor da maioria do povo brasileiro — essa maioria que seria de direita!!!
Vou concluindo algo tentado a declarar a extinção desses dois conceitos. Só não o faço porque “o fim das ideologias” virou um valhacouto de canalhas morais, que querem instituir na política o presente eterno. Um político que realmente queira sair dessa mesmice estúpida que toma o debate tem de pensar em duas ou três ações de política macroeconômicas que ponham o país na rota do crescimento, com mais indivíduo e menos Estado na equação, e que torne o capitalismo — único modelo em que pode haver civilização — ainda mais atraente às maiorias.
Este político estará, sem dúvida, combatendo o que o manual definiria hoje como “direita econômica” — que está com Lula. Ao mesmo tempo, tem de fazer valer os princípios da ordem, do respeito às leis, à Constituição, à propriedade privada, à vida e às pessoas de bem. Este político estará, sem dúvida, combatendo o que o manual definiria hoje como “esquerda social”.
No país em que 47% se dizem de direita, Lula se elege no primeiro turno com o apoio dos banqueiros e dos chamados mercados. Eu, como um “direitista”, deveria estar com os “companheiros” dos bancos. Mas aí teria de estar com os também “companheiros” Emir Sader, Marilena Chaui, Marco Aurélio Sargento Garcia e João Pedro Stedile. Ai, ai, os banqueiros “financeirizaram” a esquerda nativa e ela lhes emprestou alguma filosofia. É o cruzamento da jumento com a vaca. O resultado nem dá leite nem puxa carroça.