by mends » 18 Jul 2005, 10:35
2 visões sobre Daslu.
Concordo com o diagnóstico do Gaspari - falta capitalismo no Brasil - nunca vou concordar com Roosevelt ser um campeão do capitalismo, apesar de ter sido um campeão da democracia, e acho sim que foi abuso o que a PF fez, como diz Ivens Gandra, um dos maiores tributaristas brasileiros, logo abaixo.
ELIO GASPARI
Allons enfants de la Daslu
Na véspera do 206º aniversário da Queda da Bastilha, os com-culote do andar de cima brasileiro foram à luta para defender a casa comercial Daslu. Treze de julho era também o 199º aniversário do dia em que Charlotte Corday, uma maluca mística, meteu uma faca no peito de Jean Paul Marat, o jornalista que se intitulava "o amigo do povo".
Atribui-se ao historiador Fritz Stern, da Universidade Columbia, a observação de que os ricaços brasileiros vivem num mundo anterior à Revolução Francesa. Talvez isso explique a defesa da Daslu. É uma Bastilha que finalmente encontrou quem lute por ela: "Aux armes, citoyens".
Marcharam os marqueses da Fiesp, um punhado de senadores e alguns sibaritas que por cá são denominados "colunáveis". (Pessoas que, por absoluta falta de qualificação, deixam-se apresentar como profissionais da arte de sair em colunas.) Juntaram-se tucanos e pefelês. Todos horrorizados. O grito da Fiesp deu a dimensão do episódio: "Fatos notórios recentes, vivenciados pela sociedade, revelam situação de anormalidade. (...) Não há como se manter alheio ou indiferente a essa realidade".
Uma vizinha da Daslu, moradora da favela Coliseu, quando viu policiais armados de metralhadora achou que a coisa ia ficar feia para sua gente. Surpreendeu-se ao perceber que a tropa foi "para o lado dos bacanas". Contrastes há em muitos lugares. Cinqüenta quarteirões separam a pobreza do Harlem hispânico de Nova York do triângulo celestial formado pelas joalheiras Tiffany, Bulgari e Van Cleef, nas esquinas da Quinta Avenida com a rua 57. Os brasileiros são maiores, mas não é no tamanho do contraste que mora o problema. O que falta a Pindorama é o velho e bom capitalismo, no qual o sonegador é um concorrente desleal.
O capitalismo é um sistema no qual a rainha dos hotéis de Nova York, Leona Helmsley, tomou 18 meses de cadeia mais uma multa de US$ 7 milhões por ter sonegado impostos e dito que pagá-los era coisa de gentinha. No mesmo dia em que se formaram no Brasil os Batalhões Daslu, o ex-gênio da WorldCom, Bernard Ebbers, foi condenado a 25 anos de prisão por ter fraudado o fisco e os acionistas da empresa em US$ 11 bilhões.
É a falta de capitalismo que gera men$alões, Valérios, Delúbios, caixa dois, empregado sem carteira assinada, mala de bispo da Igreja de Deus e cueca infernal de petista. Pode-se dizer o que se queira do deputado Roberto Jefferson, mas jamais um empresário brasileiro denunciou um décimo das malfeitorias que ele levou ao ventilador. Muito menos a Fiesp.
Os Batalhões Daslu poderiam prestar um serviço ao capitalismo, à marca, ao fisco, à patuléia e à representatividade das instituições patronais. Pediriam à Polícia Federal e à Receita que providenciassem uma lista com o preço unitário de cem itens do catálogo Dasluziano.
Não o preço de venda. O preço de importação, aquele das faturas. Nele, uma gravata de Ermenegildo Zegna vale R$ 3 (o estacionamento custa R$ 30). Há vestidos de R$ 30 e camisas de R$ 15. Essa lista seria a base da maior liqüidação de todos os tempos. A loja botaria um lucro de 100% em cima de cada peça e venderia a gravata do Zegna por R$ 8 (admitindo-se R$ 2 de novos impostos). Haveria vestidos Daslu custando menos de R$ 100. Seria o "mensalão" do bem.
Fantasia? Talvez não. Conta a lenda do fisco americano que o núcleo da coleção da National Gallery foi doado à nação depois de um entendimento dos fiscais da Viúva com o banqueiro Andrew Mellon, secretário do Tesouro do presidente Herbert Hoover. Dizem até que foi uma "situação de anormalidade" estimulada pelo presidente Franklin Roosevelt. Este entendia de capitalismo.
"Espetáculo" da PF não combate a sonegação fiscal, diz Ives Gandra
DA REPORTAGEM LOCAL
O "espetáculo" das megaoperações da Polícia Federal, na opinião do advogado Ives Gandra da Silva Martins, 70, não combate a sonegação fiscal e ainda põe em risco a própria democracia.
Mesmo quando feita totalmente dentro da lei, sem excessos, a fiscalização, de acordo com o advogado, não elimina as fraudes à ordem tributária.
Para o tributarista, as ações têm motivação política e são usadas pelo governo petista para mostrar que o partido não rompeu com seus ideais de origem. Leia trechos da entrevista que o advogado concedeu à Folha.(BL)
Folha - Como o sr. analisa essas megaoperações anti-sonegação?
Ives Gandra - Está havendo uma arbitrariedade muito grande. Tenho grande respeito pelas três instituições -Polícia Federal, Ministério Público e Justiça-, mas estou convencido do abuso. A lei diz que, feito o auto de infração, o contribuinte pode pagar em 30 dias, com desconto de 50% na multa. E fica extinta a punibilidade, não há crime. Fazer operações e prender as pessoas sem auto de infração é uma violência. A lei não permite que haja nem condenação penal sem o encerramento do processo administrativo.
Folha - O sr. vê abusos nessas três instituições?
Gandra - Sim. O juiz que autoriza está violentando a legislação e a Constituição. O Ministério Público também está exorbitando, pois não pode pedir a prisão sem que haja uma infração lavrada.
Na Polícia Federal, não entendo a necessidade de ter, para prender uma mulher desarmada, 240 policiais [o número se refere, segundo a PF, a todos os envolvidos na operação contra a Daslu]. Isso é pirotecnia. O que se pretende é o impacto popular, e não a busca da verdade. E o que interessa ao direito é sempre a verdade, não o espetáculo cinematográfico.
Folha - Na Daslu e na Schincariol, foram presas pessoas de alto poder aquisitivo. Há um aspecto político na escolha desses alvos?
Gandra - A opção é ideológica. O governo é de um partido com um discurso que sempre foi contrário às elites. Não vi essas megaoperações para o caso Waldomiro. Há uma seletividade. As operações estão ocorrendo no exato momento em que se contesta a ética do PT. Para tentar mostrar que o partido está voltando à origem, o governo cai sobre as elites. Algemar o [Adriano] Schincariol [dono da cervejaria], prender advogados, isso não faz sentido. Prenderam sem saber qual era o crime, pois não havia auto de infração. Foi só estardalhaço. Sou inteiramente favorável à apuração da verdade, mas isso se faz com auto de infração e direito de defesa. Nas ditaduras, não há direito de defesa. Estamos praticamente entrando em um esquema pior do que o do governo militar.
Folha - O argumento de que a ação rápida e a prisão evitam a destruição de provas não procede?
Gandra - Isso justificaria também Hitler e Stálin, que partiam do princípio de que ações rápidas eliminavam o inimigo. O que se tem de fazer é obedecer à lei. A evasão de divisas, por exemplo, não existe no Brasil [como crime]. O artigo 5º, inciso XV da Constituição, cláusula imodificável, permite que qualquer cidadão mande dinheiro para fora do país na hora que quiser, nos termos da lei. A lei não pode reduzir o que está na Constituição. Quando não se sabe a origem [do dinheiro], o crime é de sonegação.
Folha - Essas operações não são um aperto da fiscalização?
Gandra - Não se pode fazer um aperto fora da lei. Uma de duas: ou estamos em um estado democrático de direito, em que todos nós somos escravos da lei, ou os fins justificam os meios e aceitamos a violência. Mesmo que tudo que a PF está investigando seja rigorosamente a verdade, apesar disso ela não poderia fazer os meios justificarem os fins, sob pena de pôr em risco a democracia. O PT lutou para isso, para restabelecer a democracia, e, de repente, parte para a violação.
Folha - Em tese, o reforço na fiscalização não reduz a sonegação?
Gandra - O que conteria a sonegação seria a redução da carga tributária. O aumento da fiscalização pode reduzir a economia informal e, portanto, a economia. Pode criar sistemas mais sofisticados [de fraude] e pode até afastar investimentos. Estou convencido de que a sonegação no Brasil está vinculada ao alto nível da carga tributária e à complexidade do sistema. A carga maior também auxilia a corrupção. Não há necessidade de [os governos] gastarem fortunas em publicidade, isso é pago com nossos tributos. Quando a carga é menor, a corrupção também é. Essa é uma constante no mundo inteiro.
As autoridades atacam aqueles que geram empregos, sem perceber que a carga tributária que estão defendendo é confiscatória, injusta e não-desenvolvimentista. Muitas vezes a empresa que paga tudo não tem condições de sobrevivência. Grande parte dos nossos sonegadores, não são sonegadores, são inadimplentes.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")